sexta-feira, maio 12, 2023

Reggae raiz: descubra por que Feira de Santana é um dos berços do reggae brasileiro

 O reggae só é reggae quando ele cita a verdade acima de tudo, diz Jorge de Angélica.

Nesta quinta-feira (11) celebra-se através da Lei Federal nº 12.630/2012, o Dia Nacional do Reggae. A data foi instituída no Brasil para marcar o falecimento do principal propagador da cultura reggae, Robert Nesta Marley, o Bob Marley, em 1981. Na Bahia encontramos diversos nomes do reggae brasileiro que fizeram e continuam a fazer a história da cultura no país. Nomes como Edson Gomes, Sine Calmon e Lazzo Matumbi conquistaram espaço nacional entre os ritmos mais populares. 

Em Feira de Santana, segunda maior cidade do estado da Bahia, a história do reggae surpreende pelos talentos que a terra produziu desde a década de 70 até hoje. Estamos falando da Trilogia do Reggae, composta por Tonho Dionorina, Jorge de Angélica e Gilsam, cantores do gênero que participaram da difusão da cultura reggae no Brasil e no mundo afora. 





O reggae brasileiro

A música reggae nasce na Jamaica, país caribenho que nos deu o grande difusor do gênero, Bob Marley e outros grandes cantores como Jimmy Cliff que vem ao Brasil em 1969 para o Festival Internacional da Canção e fortalece o consumo do ritmo pelo país. O gênero também foi se popularizando pela sua representatividade entre a população brasileira. Com a forte presença das questões sociais, raciais e religiosas, o reggae é um ritmo reconhecido pelas suas fortes mensagens de transformação social, embasadas nas experiências da diáspora africana, a população negra. 

Criado dentro do Movimento Religioso Rastafári – movimento que cultua o imperador da Etiópia, Haile Selassie I – o gênero traz a ideia de engajamento politico e social do negro através das músicas, do jeito de dançar e de se cultuar a fé.

Neste sentido, o nordeste, região majoritariamente negra torna-se palco para as primeiras aparições do gênero nos estados do Maranhão, conhecida como a Jamaica Brasileira, Pernambuco, com a primeira banda de reggae do Brasil, com o Grupo Karetas e na Bahia, de onde também viria a se consolidar o maior cantor de reggae do país, Edson Gomes. 

Ainda influenciados por Chico Evangelista, Jorge Alfredo, Nego Vieira e tantos outros cantores e compositores do gênero, a Bahia se destacou pelo reduto do reggae que se formou no recôncavo da Bahia, com Sine Calmon e Banda Morrão Fumegante, Timtim Gomes, Marcos Oliveira, Valéria Vieira, entre outros que popularizaram o gênero no estado e contribuíram com a construção de novas vertentes como o Axé e o Sambareggae.    

Feira de Santana: berço do reggae nacional 

Quando se fala em música reggae a Princesa do Sertão não deixa a desejar. Produzindo um dos primeiros cantores do gênero do Brasil, acolhido pelo bairro da Rua Nova, Jorge de Angélica é referência em história, produção e representação do estilo musical. Juntamente com Tonho Dionorida e o Gilsam, eles formam a Trilogia do Reggae Feirense que influenciam até hoje as novas gerações que produzem o estilo nacionalmente.

Com forte peso da cultura de matriz africana, os primórdios do reggae em Feira surge em 1985 com a força do Afoxé Pomba de Malê, grupo afro cultural criado por Jorge que viria a transpassar as batidas do estilo na cidade e unindo os três Rastaman. Consolida-se ali o reggae raiz que se faz até hoje.

O cantor que foi criado nas casas de terreiros da Rua Nova já foi intimado a se retirar do palco pela polícia pelas letras de conscientização. Ele tem composições premiadas no Brasil afora, como “Bahia Negra e Cobra Coral” que traduzem a realidade do negro brasileiro e o seu lugar na sociedade. 

“O reggae ele tem uma função, denunciar, provocar e divergir, porque o reggae não é aquela música que vai tá cantando qualquer mulequeira; tem essa esse lado social, religioso e musical que é denunciar as mazelas da sociedade. O reggae só é reggae quando ele cita a verdade acima de tudo” explica o músico ao portal Acorda Cidade. 

O trabalho social do reggae na cidade aproxima a comunidade através das canções e das atividades educativas e culturais desenvolvidos para jovens e adultos na Rua Nova, como as atividades exercidas pelo Afoxé e o Projeto Atiba, que oferece aulas de canto, percussão, dança afro, artesanato e cursos profissionalizantes. 

“A partir do aprendizado ali do povo de Malê a partir dessa imersão na cultura afro-brasileira, compreender, ressignificar essa cultura que esses artistas começam a entender que também através de outro segmento musical pode reforçar, essa ressignificação da cultura negra no nosso país”, explicou o compositor e instrumentista feirense Gilsam. Ele fez parte da primeira banda de reggae de Feira, a “Gana” e que hoje continua a cantar e a pesquisar teoricamente as diversas práticas que representam o negro no Brasil. 

Ele enfatizou que “a música reggae é um dispositivo de equalização social, ou seja, a música reggae vai traduzir a cena afrodiaspórica; esse propósito de transformar essa realidade social que nós estamos, social e histórica desses sujeitos, essas pessoas que construíram essa sociedade. O genocídio está aí a luz do dia pra cada um de nós ver, então é importante dizer que a música reggae, ele vai refletir porque essa população é ainda cometida por tanta criminalidade”. 

Gilsam e Banda Airiyê agitam o palco Reggae

Nilton Rasta que também fez parte da Banda Gana e é presidente do Afoxé Pomba de Malê explica que o grupo foi como um quartel general para a produção do reggae raiz, pois de lá saíram grandes produtos do gênero como Tonho Dionorina, que viajou o mundo propagando a cultura do reggae feirense. 

O filho de Dona Honorina começou a carreira na Rádio Cultura de Feira de Santana a partir dos 10 anos cantando sucessos de Nelson Gonçalves e Altemar Dutra. Entre as premiações, turnês internacionais e os trabalhos educativos desenvolvidos com crianças e adolescentes no Sesi-Feira, Dionorina conta quando o reggae passou a fazer parte da sua trajetória. 

“No início dos anos oitenta, eu comecei a ver a música reggae de uma forma identitária e me identifiquei. Foi quando eu conheci Jorge de Angélica, em 1982 e a gente saiu pela primeira vez no Afoxé Pomba de Malê na micareta de Feira de Santana. Daí em diante o reggae passou a ser a minha identidade, a minha forma de ser como homem, como artista, como pai; O reggae pra mim é o meu norte na música, hoje, há mais de quarenta anos vivendo dessa música, trabalhando com essa música” relatou o solista ao Acorda Cidade.

Continuidade da Resistência 

O legado deixado pela Trilogia impulsionou a continuidade do estilo na Bahia. A Banda Mont Zaion é fruto dessas referências e é hoje uma das bandas de reggae mais prestigiadas do estado, junto a Adão Negro, Libú do Reggae entre outros que ainda estão produzindo. Desde os ensaios abertos aos domingos, na ‘Visgueira do Reggae’, no bairro do Tomba a banda se popularizou entre os feirenses.

Lion Man, vocalista da banda desde o início revela que os problemas que a banda enfrenta dentro do cenário cultural da cidade são problemas atemporais vividos pelos mais velhos e que ainda se refletem na atualidade.

“Existem poucos produtores e empresários que se interessam em realmente pegar uma banda de reggae e produzir. O  poder público não observa que a música, o estilo é bem forte, não só aqui em Feira, como na Bahia em geral.  É o poder público que precisa dar o incentivo, nos vê como grandes artistas que somos”. 

A cantora Íris Luz, que foi backing vocal da banda por alguns anos, e uma das poucas cantoras do gênero na cidade, agora está atuando como produtora do grupo. Ela também aponta as dificuldades que eles enfrentam para continuar trabalhando com o reggae na região.

“Ficamos de fora da Micareta de Feira, em 20 anos de Mont Zaion puxando trio em Feira de Santana; encontramos dificuldades porque as autoridades dificultam, quem está no auge é chamado, quem não está tem que caminhar. E tem que continuar igual uma formiguinha. Porque se não for assim a gente não cresce”, explicou.



Ganhador do Troféu Caymmi, em 1993, Dionorina também comenta a falta de incentivo que o gênero recebe no país mesmo com tantos precursores reconhecidos mundo afora. “O reggae do Brasil em geral, não só na Bahia é uma música que vive à margem, porque denuncia, conscientiza; então assim, às vezes os grandes veículos e alguns governos não oportunizam”. 

O futuro da Raiz 

A música reggae faz parte hoje da identidade brasileira, junto ao samba e a bossa nova que inspiraram gerações. O gênero foi forte suficiente para sobreviver a falta de incentivo e a marginalização do seu público ao longo dos anos. Assim como a essência do reggae raiz traz a resistência e emancipação para a população através das suas práticas, isso acontece também com o próprio género que resiste para sobreviver em meio a estilos mais monetários. 

Na Micareta de Feira 2023, a prefeitura deu continuidade ao espaço Jota Morbeck, espaço dedicado exclusivamente para o público do reggae. Este ano, trouxe a atração internacional Andrew Tosh, filho de Peter Tosh, lendário cantor do reggae internacional. Apesar disso, o espaço ainda é criticado por ser afastado do circuito principal da festa, onde os cantores poderiam ser mais reconhecidos pelo público em geral.

Ainda assim, o estilo não deixa de trabalhar suas fundamentações e reconhecer a sua história através dessas lendas vivas que ainda lutam para proteger e valorizar a cultura negra do país. Jorge de Angélica possui mais de 200 composições ao longo dos seus 40 anos de carreira e continua a produzir reflexões para o cotidiano do povo feirense. Recentemente lançou o clipe “Gari”, onde trabalhou a importância dos trabalhadores da limpeza pública. 

Em companhia de Tonho Dionorina, os dois estrelaram na quinta (11) o documentário “Reggae Resistência”, que será exibido pela TV Educativa, às 22h. 

CRÉDITOS: ACORDA CIDADE

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